STJ referenda legalidade de busca sem mandado em sítio usado para guardar drogas
Por Eduardo Velozo Fuccia
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou por unanimidade provimento ao agravo regimental ao agravo em recurso em habeas corpus interposto por uma mulher, rejeitando a tese defensiva de fishing expedition (pescaria probatória) e de nulidade de provas. Com essa decisão, o colegiado ratificou a legalidade na vistoria de policiais em um sítio da agravante, durante nove dias, sem o respaldo de ordem judicial.
Situada em Mogi das Cruzes, na Região Metropolitana de São Paulo, a propriedade servia de laboratório para o refino e depósito de drogas, segundo o Ministério Público (MP). Policiais militares se dirigiram ao sítio em março de 2018 e nele foram apreendidos 110 quilos de cocaína, farta quantidade de produtos químicos, quatro armas (fuzil submetralhadora, carabina e pistola) e mais de 200 munições de vários calibres.
Relatora do agravo, a ministra Daniela Teixeira observou que o ingresso em domicílio alheio, para ser regular, depende da existência de fundadas razões que constituam justa causa e sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental envolvido. Porém, se o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, a intervenção restritiva estatal se torna legítima.
“O ingresso dos policiais no sítio onde foram apreendidas as drogas não se deu de forma desarrazoada, eis que já havia uma interceptação telefônica autorizada em desfavor da agravante”, destacou a ministra. Ela acrescentou que um dos corréus (esposo da recorrente) desobedeceu a ordem de parada dada por policiais e capotou a caminhonete que o levava com mais seis acusados à propriedade rural pela sua única via de acesso.
“A hipótese ventilada é de legítimo flagrante, sendo incabível reconhecer-se a ilicitude da prova”, concluiu Daniela. Para ela, fundadas suspeitas justificaram e autorizaram a busca domiciliar, inexistindo qualquer ilegalidade na abordagem realizada pelos policiais. Acompanharam o voto da relatora os ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Messod Azulay Neto.
O acórdão da 5ª Turma do STJ citou que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Especial 603.616/RO, em repercussão geral, fixou a tese de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas e objetivas razões, devidamente justificadas em momento posterior, que indiquem a situação flagrancial no interior do imóvel.
Também foi mencionada na decisão que o próprio STJ firmou entendimento no sentido de que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência. No caso dos autos, conforme o acórdão, a interceptação telefônica e a fuga do marido após ordem parada dos PMs respaldaram o ingresso ao sítio.
Entenda o caso
As investigações foram iniciadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP do Paraná. Após informações de que a agravante, companheira de um condenado por tráfico de drogas e porte de armas foragido da Justiça, estaria envolvida em lavagem de capitais, o órgão teve pedido de interceptação telefônica deferido pela Vara Criminal de Assis Chateaubriand.
Durante o monitoramento, apurou-se que a investigada e o marido lideravam uma associação criminosa que estaria armazenando drogas e armas em um sítio de Mogi das Cruzes. Por ocasião do capotamento do veículo que resultou na prisão em flagrante do companheiro da agravante e dos outros réus, constatou-se que o celular de um deles era um dos alvos da interceptação telefônica.
Devido à extensão do sítio, foram necessários nove dias para realizar a sua varredura. A operação contou com o apoio de cães farejadores e um helicóptero. Acusada dos crimes de tráfico, posse de instrumentos destinados ao tráfico, associação para o tráfico e posse ilegal de arma de fogo, a agravante não chegou a ser presa em flagrante, tendo a preventiva decretada em julho de 2018. A sua captura só ocorreu em fevereiro de 2023.
O marido da agravante é Welliton Xavier dos Santos, o Capuava. Ele foi preso em julho de 2015 em uma chácara em Santa Isabel (SP), onde havia 1,6 tonelada de cocaína e um arsenal bélico. O então secretário da Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes (atualmente ministro do STF), apontou Capuava como o maior traficante do Estado e disse que a sua prisão foi um duro golpe no Primeiro Comando da Capital (PCC).
Em agosto daquele ano, Capuava foi solto graças a habeas corpus concedido pelo desembargador Otavio Henrique de Sousa Lima, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Lima apontou fragilidade de provas do envolvimento do acusado. Nove dias depois, o juízo 2ª Vara de Santa Isabel decretou a preventiva de Capuava pelo mesmo delito, mas ele foi só capturado em 2018, quando se dirigia ao sítio de Mogi das Cruzes.
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