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13/02/2020

Centro de umbanda continua em imóvel alugado após ação de despejo naufragar

Por Eduardo Velozo Fuccia

Centro de umbanda é entidade religiosa. Como tal, se ocupar imóvel alugado, tem a proteção da Lei 8.245/1991 contra denúncia vazia, salvo as exceções previstas na legislação. Sob esse entendimento, a Justiça paulista, em primeira e segunda instâncias, julgou improcedente ação ajuizada para despejar o Centro Espiritualista de Umbanda (CEU) Aruanda Estrela Guia Azul de edificação locada na Zona Sul da Capital.

O Artigo 46 da Lei 8.245 discorre sobre a denúncia vazia. Ela é a possibilidade de o proprietário pleitear a retomada do imóvel, sem necessidade de justificativa. As únicas exigências são o término do prazo de locação, igual ou superior a 30 meses, e que esse período tenha sido estabelecido em contrato escrito. Com base nessa regra, três proprietárias da edificação alugada ao terreiro de umbanda requereram o despejo.

O juiz Fabio Fresca, da 4ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara, julgou a ação improcedente. “Tratando-se a locatária de entidade religiosa não há como se afastar a regalia prescrita no artigo supramencionado. Ademais, não tendo o locador apontado nenhum motivo para o despejo pretendido, afirmando apenas a falta de interesse para a continuidade do contrato, de rigor a improcedência do pedido”.

A decisão foi prolatada em 12 de setembro de 2019 e as proprietárias recorreram. Por unanimidade, a 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve a sentença. A apelação foi julgada no último dia 6 e ratificou também a condenação das autoras da ação ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, elevados de 10 para 12% do valor da causa.

“Não há dúvida de que não se há de falar em despejo fundado em denúncia vazia de entidade religiosa devidamente registrada (art. 53 da Lei de Locações), salvo algumas hipóteses que não são aplicáveis ao caso sob exame”, assinalou o desembargador Marcondes D’Angelo, relator do recurso. Os desembargadores Hugo Crepaldi e Claudio Hamilton seguiram o seu voto.

Ainda conforme a decisão unânime do colegiado, “é notória a finalidade da locação, na qual figura como locatário o Centro Espiritualista de Umbanda Estrela Guia, organização religiosa e assistencial para o público em geral sem fins lucrativos”. As autoras da ação alegaram que o terreiro não possui como objeto social a função de entidade religiosa e também negaram a realização de cultos religiosos no imóvel alugado.

O Artigo 53 da Lei 8.245/1991 blinda da denúncia vazia os imóveis utilizados por hospitais, unidades sanitárias oficiais, asilos, estabelecimentos de saúde e de ensino autorizados e fiscalizados pelo Poder Público, bem como entidades religiosas devidamente registradas. Nestes casos, os contratos de locação só podem ser reincididos em hipóteses legais, que não se aplicam ao CEU Aruanda Estrela Guia Azul.

Expressas no Artigo 9º, tais hipóteses são: mútuo acordo; prática de infração legal ou contratual; falta de pagamento do aluguel e demais encargos; realização de reparos urgentes determinados pelo Poder Público, que não possam ser normalmente executados com a permanência do locatário no imóvel ou, podendo, ele se recuse a consenti-los.

Proteção divina e dos homens

Integrantes do terreiro aguardaram com expectativa o resultado do julgamento do recurso. Vestidos de branco e ao som de atabaques, realizaram uma gira (ritual religioso) em frente ao TJ-SP durante a sessão da 25ª Câmara de Direito Privado (foto). Confiavam na decisão dos desembargadores, com idêntica fé em Xangô, “defensor da justiça de Deus e dos homens, dos vivos e dos além da morte”, conforme prece a esse orixá o define.

Responsável pelo CEU Aruanda Estrela Guia Azul, Mãe Kelly De Angelis acompanhou a sessão. Segundo ela, o resultado não representou uma vitória apenas do centro espírita, mas das religiões de matriz africana em geral e, em especial, da umbanda. Disse que não quer continuar por muito tempo onde não é benquista. Porém, enquanto não se muda, os trabalhos do terreiro prosseguem para não se interromper esse “ponto de luz”.

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