Juiz reconhece licitude de infiltração de agente e de narcoteste para condenar 9
Por Eduardo Velozo Fuccia
Não há ilicitude na infiltração de um agente policial em organização criminosa sob investigação, antes dessa medida ser judicialmente autorizada. Do mesmo modo, narcoteste com resultado positivo em outros países é suficiente para demonstrar a materialidade do crime de tráfico no Brasil, sendo dispensável o laudo pericial definitivo.
Com essas observações, o juiz Tiago Pereira Macaciel, da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, afastou teses defensivas e condenou nove homens – quatro por narcotráfico internacional e pelo delito de pertencer a organização criminosa; quatro apenas por tráfico transnacional de drogas, e um por integrar organização criminosa.
A ação penal é derivada da Operação Turfe, da Polícia Federal, que desmantelou um esquema responsável por despachar ao exterior 6,6 toneladas de cocaína, entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2022. Ocultada em contêineres no meio de cargas lícitas, a droga era transportada em navios que zarpavam de vários portos brasileiros.
Em sentença de 291 laudas, prolatada no último dia 11, Macaciel rejeitou alegação das defesas dos réus de que seria nula a prova decorrente da infiltração do agente, porque ele teria realizado uma “provocação ilícita” ao oferecer aos integrantes da suposta organização criminosa facilidades para a exportação dos carregamentos de cocaína.
A tese defensiva também sustentou que a autorização judicial para a infiltração apenas ocorreu quando o agente já estava infiltrado. Porém, o julgador rechaçou esse argumento, citando que o tema já foi apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) no julgamento de habeas corpus.
“A Colenda 2ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região, por unanimidade, reconheceu a legalidade das atividades investigativas do agente policial antes da autorização judicial para a infiltração na organização criminosa, conforme se verifica da leitura do acórdão proferido no julgamento do Habeas Corpus 5001629- 23.2023.4.02.0000”, frisou o juiz.
Sobre a autorização judicial ter ocorrido após a infiltração do agente, Macaciel justificou: “A infiltração de agente jamais seria possível, de fato, sem que ele tivesse mantido contato prévio com os membros da organização ou sem que tenha oferecido alguma utilidade que os predispusesse a admiti-lo entre os seus”.
Conforme o magistrado, os primeiros contatos com integrantes da organização criminosa e a reunião de elementos de informação mínimos pelo agente são etapas preparatórias necessárias ao pedido de infiltração. “Entendimento contrário implicaria a ineficácia absoluta das normas que regem essa medida investigativa”.
Narcoteste
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o grupo investigado realizou 14 operações de remessa de cocaína à Europa, que resultaram em apreensões da droga no exterior. Além disso, a PF conseguiu frustrar duas tentativas de exportação do entorpecente, interceptando-o ainda no País, antes de seu embarque em navios.
As defesas alegaram que não há prova da materialidade de 14 eventos de tráfico por falta de laudo pericial definitivo e de amostras da droga para submetê-la a perícia no Brasil, sob o contraditório. Porém, o juiz ressalvou que as autoridades estrangeiras realizaram o narcoteste – teste químico rápido para a detecção de substância entorpecente.
O sentenciante salientou que, de acordo com o artigo 13 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), “a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se”. Por esse motivo, ele considerou os narcotestes positivos aptos para comprovar a materialidade.
Para Macaciel, a faculdade de postulação probatória precluiu, porque o questionamento sobre a confiabilidade da prova produzida no exterior e pedidos de amostras aos países estrangeiros deveriam ser apresentados na resposta à acusação, como prescreve o artigo 396-A do Código de Processo Penal, não em memoriais.
“De todo modo, mesmo no Direito brasileiro, a jurisprudência rejeita a concepção de que o exame pericial dito definitivo, em contraposição ao teste químico rápido, seria requisito de validade da prova acerca da qualidade da substância objeto do delito de tráfico de drogas”, concluiu o julgador.
Tráfico privilegiado
As penas aplicadas aos nove condenados variam de dois anos, quatro meses e 24 dias de reclusão, em regime aberto, a 26 anos, três meses e 22 dias, em regime inicial fechado. A maior sanção é a do réu apontado como o líder da organização criminosa. A PF batizou de “Turfe” a operação, porque ele lavava o dinheiro do tráfico com cavalos de corrida.
A pena do cabeça do esquema, que tem “sólidas relações” com as facções criminosas Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), conforme a sentença, se refere ao delito de integrar organização criminosa e a 15 crimes distintos de tráfico internacional. A lavagem de dinheiro é apurada em outra ação.
As investigações revelaram que o líder negociava a aquisição da cocaína com os fornecedores, na América do Sul, e a sua revenda aos compradores, estabelecidos principalmente em Dubai. O trabalho da PF trouxe à tona que esse réu foi sequestrado e extorquido por policiais civis, em São Paulo, em julho de 2021.
“É bastante revelador da pujante capacidade financeira da organização criminosa que o réu tivesse consigo US$ 1,1 milhão em espécie para atender à exigência dos policiais”, detalha a sentença. Investigações são realizadas com o objetivo de identificar os agentes públicos envolvidos no caso de corrupção.
Advogado do réu condenado à menor sanção, Fábio Hypolitto pleiteou em suas alegações finais a aplicação do tráfico privilegiado. Segundo ele, o cliente faz jus à causa de diminuição de pena do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, porque é primário e não faz parte da organização criminosa, embora tenha atuado em um evento de tráfico.
“De fato, o réu é primário, tem bons antecedentes, não existem indícios de que ele se dedique a atividades criminosas ou de que tenha aderido à estrutura da organização em caráter estável; logo, reconheço que ele faz jus à causa de diminuição da pena”, decidiu o juiz. Preso desde 15 de fevereiro de 2022, esse acusado teve a preventiva revogada.
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