STJ reconhece invasão ilegal de domicílio e anula condenação por tráfico na praia
Por Eduardo Velozo Fuccia
O suposto comportamento suspeito de acusado de crime, o caráter permanente do delito e a alegada permissão verbal do investigado, sem nada que a comprove, por si sós, não autorizam a entrada de policiais em residência sem mandado judicial e tornam nulas as provas decorrentes desse ingresso ilegal.
Todos esses pontos foram destacados pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao conceder habeas corpus a um homem e cassar a sentença e o acórdão que o condenaram por tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo e munições, em São Vicente, no litoral de São Paulo.
O advogado Anderson Real Soares impetrou o habeas corpus. Ele sustentou a nulidade das provas sob o argumento de que foram obtidas mediante invasão domiciliar. Para o ministro, a leitura dos autos leva à conclusão de que houve violação do artigo 157 do Código de Processo Penal (CPP).
“A diligência apoiou-se em dito comportamento suspeito do acusado, que teria tentado empreender fuga no momento da abordagem; e em versão não crível apresentada pelos policiais, de que o próprio paciente teria informado haver drogas no interior da residência”, destacou Palheiro.
Inicialmente, policiais civis abordaram o réu na rua, após ele dispensar uma mochila com drogas. Diante da suposta admissão do acusado de que possuiria mais entorpecente em um apartamento, os agentes se dirigiram ao imóvel, onde também acharam uma arma de fogo e munições. No total, foram apreendidos 3,4 quilos de cocaína, maconha e crack.
Presunção relativa
“Não é crível a alegação de que o paciente, sponte propria (por sua vontade), tenha confirmado a existência de drogas no interior da residência para ser preso em flagrante logo em seguida, havendo de se reconhecer a ilegalidade da invasão de domicílio”, ponderou o julgador do STJ.
Segundo ele, a presunção de veracidade dos agentes públicos não é absoluta e nem afasta a possibilidade de ser confrontada com o contexto fático. Essa análise admite a valoração com “critérios cotidianos como os juízos do senso comum e de verossimilhança”, a fim de que apenas a versão policial não seja suficiente para mitigar direitos.
“Devido a isso, esta corte tem analisado com rigor certas narrativas apresentadas por agentes estatais ao justificarem o afastamento das regras constitucionais de proteção a direitos fundamentais, como a privacidade, a inviolabilidade domiciliar e o exercício cotidiano da cidadania”, completou o ministro.
Embora conste dos autos que a venda de drogas em quiosques da Praia do Gonzaguinha era apurada havia três meses, os dois investigadores autores da prisão, ao serem indagados pela defesa em juízo, disseram que o réu e o apartamento vistoriado nunca chegaram a ser alvos da prévia investigação.
Em primeiro grau, o réu foi condenado a 11 anos e oito meses de reclusão. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) redimensionou a pena para 10 anos, três meses e 20 dias, anotando inexistir invasão de domicílio, pois o tráfico é crime permanente e dispensa a exigência de mandado, além do que o acusado informou possuir mais drogas em casa.
Posição do STJ
Segundo Palheiro, o acórdão do TJ-SP destoa da jurisprudência do STJ, que recentemente fixou a seguinte tese: “as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito”.
Firmada pela 6ª Turma, sob a relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 598.051/SP, essa tese ainda diz que a busca domiciliar e o flagrante “não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g. (por exemplo), em mera atitude ‘suspeita’, ou na fuga do indivíduo em direção à sua casa”.
“Devido ao ingresso ilegal dos agentes com amparo exclusivo na natureza permanente dos delitos supostamente cometidos, faz-se imperiosa a anulação da prova decorrente do ingresso ilegal dos policiais no imóvel”, decidiu Palheiro. Porém, o ministro ressalvou que houve o encontro de drogas em posse do acusado na abordagem inicial.
“Há material probatório prévio à ilegalidade que não foi contaminado e que pode vir a ensejar a condenação do agente”, reconheceu Palheiro. Por esse motivo, ao cassar a sentença e o acórdão, o ministro determinou ao juízo de primeiro grau que “profira novo julgamento, como entender de direito”.
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