Sem autorização idônea para policiais revistarem casa, juiz absolve réu por tráfico
Por Eduardo Velozo Fuccia
Embora não haja regras específicas de como deve ser registrada a autorização para policiais entrarem em uma casa com o fim de vistoriá-la, não há dúvidas de que esse consentimento deve existir e ser idôneo, sob pena de tornar nula toda a prova decorrente do ingresso domiciliar indevido. Outro requisito é o de que a diligência tenha justa causa.
A partir dessas ponderações, o juiz Fernando Leonardi Campanella, da 1ª Vara de Amparo (SP), absolveu um homem por tráfico. Policiais militares disseram que acharam na moradia do acusado 18,9 gramas de cocaína e 13,6 gramas de maconha. Momentos antes, o suspeito havia caído de moto ao tentar fugir de uma viatura da PM.
“A força probante restou mitigada, eis que não há elementos suficientes que apontem para um ingresso idôneo e autorizado na residência do réu, providência que se apresentava necessária para a validade da prova”, concluiu o julgador. Ele absolveu com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (insuficiência de prova).
O acusado não portava nada de irregular no momento do acidente. Ele estava sem documentos e, na delegacia, optou por ficar em silêncio, sendo autuado. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva, mas depois o réu obteve a liberdade provisória. Em juízo, alegou que fugiu por não ser habilitado e temer que o veículo fosse apreendido.
Segundo o magistrado, se instaurou certa dúvida quanto ao objetivo dos agentes públicos no deslocamento até a residência do acusado. “Não restou cabalmente delineado se a aparição foi motivada na busca pela documentação pessoal do acidentado (réu), visando à correta identificação civil e/ou para localização de drogas no interior da moradia”.
Na fase do inquérito, um policial afirmou que ele e um colega de farda se dirigiram à casa em busca dos documentos do motociclista, sem mencionar eventual interesse por encontrar drogas. Porém, em juízo, o mesmo agente público alegou que foi checar informação do próprio réu de que ele guardava entorpecentes no imóvel.
Pai atendeu
Na residência estava apenas o pai do acusado, que é idoso e analfabeto. Na audiência de instrução, ele disse que os PMs o informaram sobre acidente do filho e que precisavam dos documentos dele. Em seguida, os agentes o questionaram sobre drogas e o homem declarou que filho possuía “umas maconhinha (sic)” para uso próprio.
O réu admitiu possuir maconha em seu quarto, mas negou a posse de cocaína. Para Campanella, “o quadro que se apresenta é o de não haver comprovação de justa causa para as diligências e não haver segurança no idôneo consentimento do morador para aquele ingresso na residência do acusado”.
O juiz observou que nada ilícito havia com o réu, cuja evasão pode ser explicada pelo fato de ele não possuir habilitação. Ele acrescentou que as drogas foram apreendidas na casa por volta das 23 horas, sendo os PMs recebidos pelo pai do acusado, que acreditou na aparição deles apenas para lhe comunicar o acidente do filho.
“Sendo os agentes recebidos tarde da noite por idoso, analfabeto e, possivelmente, embriagado, deveriam os policiais ter melhor se acautelado para o ingresso e consequente vistoria, colhendo assinatura de testemunhas (vizinhos ou transeuntes) que corroborassem o consentimento concedido pelo morador”, assinalou o julgador.
Sem prova idônea de suposta autorização do pai do acusado para a vistoria do imóvel, o magistrado sentenciou que “o reconhecimento da nulidade da busca domiciliar é medida impositiva, inexistindo, por consequência, outras provas, lícitas, que autorizem um decreto condenatório”.
Campanella ressalvou que, apesar de o tráfico de drogas na modalidade “guardar” ser crime permanente, isso, isoladamente, não autoriza entrada em residência sem mandado judicial. “Também se exige fundada suspeita para tal ingresso, o que não se confirmou no caso dos autos, até porque, repiso, nada de ilícito foi localizado em poder do réu”.
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