Racismo travestido de elogio resulta na condenação de médico na Bahia
Por Eduardo Velozo Fuccia
Quem faz referência à cor de alguém de forma depreciativa, ainda que a pretexto de dirigir pretenso elogio, comete crime de racismo. Essa conclusão é do juiz Eros Cavalcanti Pereira, da 2ª Vara Criminal de Itabuna (BA), ao condenar um médico por injuriar uma mulher. Além de cumprir pena de quatro anos e dois meses de reclusão, o réu deverá indenizar a ofendida em R$ 25 mil por dano moral.
Conforme o Ministério Público (MP) narrou na denúncia, no dia 21 de fevereiro deste ano, a vítima e uma colega de trabalho, ambas servidoras da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), realizavam uma vistoria no hospital onde o médico trabalha. Ao ver a ofendida, o réu comentou: “Que negra bonita! Nossa, nunca vi uma negra tão bonita assim! Para ser tão bonita assim, deve ter sangue branco correndo nas veias.”
“Constata-se que o réu, num primeiro momento, proferiu ofensas de cunho racista, injuriando a vítima em razão da sua cor, a despeito de as palavras por ele utilizadas haverem constituído, impropriamente falando, espécie de ‘elogio racista’, um inadmissível ‘galanteio’. Isso não retira o caráter odioso do ato, não afasta a ocorrência do racismo, não descaracteriza a prática criminosa”, destacou o julgador.
As duas servidoras eram acompanhadas por uma enfermeira do hospital, que também ouviu a fala do acusado. Segundo a denúncia, ao ser repreendido em razão da sua declaração, o réu não só a repetiu, como depois acrescentou: “Para ser bonita assim, ela deve ter sangue branco correndo nas veias, porque um preto jamais teria um filho bonito assim”. Em juízo, as três mulheres confirmaram as injúrias raciais.
A defesa do médico Luiz Carlos Leite de Souza requereu a sua absolvição sob o argumento de ausência de provas, pois a acusação se baseou apenas na versão da vítima e das testemunhas. Também alegou a inexistência de dolo específico para o crime de injúria racial, porque as palavras do acusado não tiveram qualquer conotação racista. O réu admitiu que “elogiou” a ofendida, mas negou ter externado qualquer preconceito.
Crime formal e continuado
O magistrado rejeitou as alegações defensivas, ressaltando que o caso em análise se trata de crime formal praticado oralmente, sem registro documental, estando a materialidade e a autoria demonstradas pelo mesmo acervo probatório. Segundo ele, os relatos da vítima e das testemunhas são convincentes, coerentes e robustos, comprovando “sobejamente” os fatos descritos na denúncia.
“Mesmo repreendido pelos presentes em razão do seu comportamento nitidamente preconceituoso, o ora acionado prosseguiu nas ofensas dirigidas contra a vítima, reafirmando e até acentuando o seu gesto racista por duas vezes”, observou Eros Pereira. Em razão da prática sucessiva de três atos injuriosos racistas, o juiz aplicou a regra do artigo 71 do Código Penal (crime continuado).
Desse modo, não houve a soma das penas das três injúrias raciais imputadas ao médico. Para fins de dosimetria, seguindo os critérios legais, o julgador considerou apenas uma das sanções, porque fixadas em igual patamar, e a elevou em um quinto, tornando-a definitiva em quatro anos e dois meses. Caso fossem estabelecidas penas diferentes, a exasperação recairia sobre a mais severa, conforme a regra do crime continuado.
Pereira determinou que o médico inicie o cumprimento da pena em regime fechado, devido às circunstâncias desfavoráveis. “O réu agiu com culpabilidade acentuada, pois perseverou na ação delituosa mesmo quando repreendido pelos presentes, demonstrando maior ousadia, arrogância e destemor. Isso reclama apenamento mais severo no plano da culpabilidade”.
Quanto ao pedido do MP para o acusado ser condenado a pagar à vítima valor mínimo a título de reparação dos danos causados pela infração, o magistrado assinalou que a lesão moral sofrida pela ofendida é in re ipsa, ou seja, presumida, dada à gravidade concreta da conduta (três ofensas). Pereira anotou ser “natural o abalo psicológico decorrente da ação criminosa, acentuado pela persistência traumática”.
Luiz Carlos chegou a ser preso em flagrante por policiais militares no hospital. Dois dias depois, foi solto mediante o pagamento de fiança e respondeu à ação penal em liberdade. Após ser condenado, o réu teve o direito de recorrer solto. Porém, ele não apelou e a sentença transitou em julgado, sendo expedido o seu mandado de prisão. A ordem de captura foi cumprida na casa do médico, encaminhado ao Conjunto Penal de Itabuna.
Foto: Reprodução/TV Bahia
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