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05/08/2017

Decidir bem é apontar a solução, ou seja, mandar é fácil, difícil é resolver

Por Eduardo Velozo Fuccia

A cadeia pública anexa à delegacia de determinado município paulista, de fato, não reunia as condições adequadas. No entanto, ela não destoava da crítica situação que assola a grande maioria das prisões do País e, comparada às piores unidades, até apresentava um cenário “privilegiado”.

O juiz novo na comarca e na carreira quis mostrar trabalho, ou mais do que isso, autoridade. Ele achou absurda a condição da cadeia, que, bem ou mal, com as suas quatro celas, poderia abrigar 24 detentos provisórios, número compatível com a demanda do município, uma vez que semanalmente ocorrem remoções desta prisão para unidades da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).

Pois bem, sob o pretexto da condição subumana, o magistrado expediu o seu édito no sentido de interditar a cadeia pública. Porém, a decisão, não extinguia o problema, apenas o mudava de lugar.

Com a determinação, os presos do município deveriam ser encaminhados para as prisões de duas cidades vizinhas, que não suportariam a demanda e, em muito em breve, apresentariam situação igual ou até pior.

Instado pelo seu chefe dos investigadores a conversar com o juiz para lhe expor o quadro penitenciário regional, na tentativa de fazer o magistrado rever o seu posicionamento, o delegado titular do município se omitiu.

Acometido de um temor reverencial, oriundo do clichê de que “ordem judicial não se discute, mas se cumpre”, o delegado não aprovou a sugestão do subordinado.

Sem querer se indispor ou polemizar, a autoridade policial estava propensa a seguir a decisão do magistrado, ou seja, “empurrar a sujeira para baixo do tapete”, fingindo resolver uma demanda, quando, na realidade, só a alastrava.

Mas um diálogo sincero e respeitoso, capaz de trazer luzes para uma realidade ainda não enxergada, jamais pode ser considerado insubordinação. Partindo dessa premissa, o investigador fez aquilo que o delegado sabujo não quis.

“Fui com minha pasta com 70 mandados de prisão em aberto até o gabinete do juiz para lhe informar a quantidade de procurados da cidade a serem capturados, sem contar aquelas pessoas que são presas em flagrante diariamente e cujo número não é possível prever”, relembra o investigador.

Outro dado revelado pelo policial ao magistrado foi a de que as cadeias dos dois municípios vizinhos mais próximos também têm capacidade para 24 detentos cada e logo “explodiriam” com a interdição determinada.

“Doutor, sou apenas o fiel depositário do preso, mas dono dele é a Justiça”, emendou o investigador, transferindo ao magistrado as consequências de sua deliberação.

O noviço da toga gostou da franqueza do policial e reviu com humildade a sua decisão. Com uma segunda canetada, revogou a interdição da cadeia, antes mesmo que ela produzisse quaisquer efeitos.

 

CATEGORIA:
Crônica forense
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