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26/06/2017

Xeque-mate no plenário

Advogado criminalista Walter de Carvalho

Por Eduardo Velozo Fuccia

Nem oito, nem oitenta. Na vida e no Direito, o meio termo pode ser a melhor solução. Grande tribuno do júri, o saudoso criminalista Walter de Carvalho mesclou conhecimento jurídico e boa dose de oratória para sustentar esta tese.

O objetivo era convencer os sete juízes leigos sorteados de que o seu cliente matou a vítima a tiros, conforme a exordial do Ministério Público, mas atuou como qualquer um dos jurados poderia agir, se eles estivessem nas mesmas circunstâncias do réu.

O motivo da confissão da autoria do homicídio era, sem subestimar a inteligência dos jurados, afastar a qualificadora do motivo fútil e ainda postular o reconhecimento do privilégio, fazendo a pena do delito despencar drasticamente.

“O homicídio é o crime do homem de bem, senhores jurados! Por isso, podemos dizer que nunca roubaremos, estupraremos ou traficaremos. Mas jamais poderemos afirmar que não mataremos”, sustentou Carvalho.

Sem realizar apartes durante toda a exposição da acusação, o advogado teve a sua fala abruptamente interrompida pelo representante do parquet, que protestou: “Ilustre doutor, não sou e nunca serei um assassino”.

A intervenção ministerial foi rebatida pelo criminalista: “Depende nobre promotor, tudo depende. Na pele do réu, o sr. pensaria e agiria diferente. Não é possível alguém dizer que jamais praticaria um homicídio ou ter respostas prontas para algo imprevisível”.

Acalorado, o debate paralelo continuou com o órgão do MP insistindo em sua taxatividade de “nunca matar” e afirmando que para ele “ou é ou não é”, sendo “depende” a resposta dos que não têm opinião formada.

Foi nesse momento que falou mais alto a expertise de Carvalho. Professor do Plenário do Júri, ele lançou o repto e o promotor o aceitou, como peixe que morde a isca: “Então, o sr. seria objetivo o suficiente para responder ‘sim ou não’ para algo que perguntasse?”

Acreditando que não fugiria da raia e conquistaria a admiração dos jurados, o representante do MP disparou: “Pode perguntar!”

O advogado ainda fez suspense e ponderou se o promotor mantinha a posição inicialmente assumida. “Pode perguntar”, repetiu o desafiado, sentindo-se vitorioso por antecipação.

Neste momento, Walter de Carvalho deu o xeque-mate: “Então me responda com ‘sim ou não’, sem rodeios e nem ‘depende’. O sr. já deixou de roubar? Seja objetivo e não me venha com ‘talvez’ ”.

Silêncio no plenário. O debate acabou diante do promotor constrangido e dos tímidos, mas indisfarçáveis, sorrisos do juiz togado e dos jurados. O Conselho de Sentença condenou o réu, reconhecendo o homicídio privilegiado defendido pelo causídico.

 

CATEGORIA:
Crônica forense
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