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19/10/2021

Justiça tranca ação sobre corrupção em complexo portuário em ilha de Santos

Por Eduardo Velozo Fuccia

Um caso de repercussão sobre suposta corrupção na aprovação de complexo portuário em Santos, inúmeros réus, seis modalidades de crime sob apuração e, ao final, nenhum culpado. A Justiça Federal trancou a ação penal da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal (PF), porque a denúncia ficou inepta após a exclusão de provas ilícitas.

Sem estas provas na acusação formal do Ministério Público Federal (MPF), considerando as declaradas ilícitas e aquelas derivadas, contaminadas em decorrência do vício original, o que restou pode ser comparável a um balão sem ar. Denúncia vazia, ação penal trancada, decidiu o juiz federal Rodrigo Boaventura Martins.

“Em razão da imprecisão quanto à exposição dos fatos criminosos e respectivas circunstâncias baseadas em elementos de provas ilícitas, o que equivale à inépcia da denúncia, tornando nulo o seu recebimento, determino o trancamento da presente ação penal (abrangendo os autos desmembrados)”, sentenciou Boaventura.

Substituto da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Boaventura prolatou a sua sentença na última segunda-feira (18). Em 72 laudas, o juiz justificou que o conteúdo de prova ilícita foi determinante para a formação da opinio delicti do MPF, não cabendo ao Poder Judiciário, sob pena de violar o princípio acusatório, retificar o seu conteúdo.

Conforme o magistrado, não trancar a ação nestas circunstâncias inviabilizaria o exercício da ampla defesa, devido a uma denúncia “incerta e instável”, além de “restar infindável o exercício de estabilização da demanda, dada a cadeia probatória consolidada e integrada”, a partir de prova declarada ilícita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Interceptações telefônicas

O advogado José Luiz Moreira Macedo defende um dos réus. Ele impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) alegando ausência de fundamentação concreta na decretação da interceptação telefônica e porque a “medida invasiva” durou mais de um ano, havendo excesso no número de prorrogações de prazo.

O TRF3 negou o pedido de Macedo, justificando que a interceptação foi legal, porque teve fundamentação idônea. Em relação às prorrogações, alegou que elas foram necessárias devido à complexidade do caso, ao grande número de envolvidos e à imprescindibilidade da medida para elucidar os crimes.

O advogado José Luiz Moreira Macedo conseguiu anular no STJ a interceptação telefônica e as demais provas ilícitas por derivação, o que fez a Operação Porto Seguro afundar

Macedo impetrou novo habeas corpus, desta vez, no STJ. Sob a relatoria do ministro Nefi Cordeiro, da 6ª Turma, foi deferido o requerimento em março de 2020, “sem prejuízo do prosseguimento da ação penal com base em outras provas”. A decisão abrangeu os corréus e, obviamente, as provas derivadas, conforme requereu o advogado.

A Teoria dos frutos da árvore envenenada foi a base do pedido do advogado. Segundo o artigo 157 do Código de Processo Penal, “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas”.

Embargos de declaração

Apesar da decisão do STJ, o juízo da 5ª Vara Criminal Federal designou para os próximos dias 3 e 4 de novembro os interrogatórios dos réus. Macedo opôs embargos declaratórios sustentando que não se pode adiar a análise sobre eventual contaminação derivada das provas, sob pena de os interrogatórios serem também atingidos pela nulidade.

De acordo com Macedo, além de obscura, a decisão do juiz que designou os interrogatórios ainda seria omissa, por não determinar que sejam riscados da denúncia trechos de documentos nulos por derivação. Pelas mesmos razões, os advogados Fábio Tofic Simantob e Alberto Zacharias Toron também opuseram embargos.

Inicialmente, Boaventura manifestou entendimento de que a análise de eventual contaminação de outras provas deveria ser “debatida em momento processual oportuno, na fase de alegações finais, o que será apreciado em sentença”. Contudo, diante dos embargos declaratórios, o magistrado federal reviu o seu posicionamento.

“Verifico que realmente é imprescindível que tal análise seja feita previamente aos interrogatórios, pois há o risco de que eventuais questões formuladas em audiência possam tratar de outras provas possivelmente ilícitas”, decidiu. O juiz também justificou a necessidade de “tornar certa demanda” e viabilizar o exercício da ampla defesa.

Os embargos foram acolhidos e as provas ilícitas por derivação, excluídas, tornando inepta a denúncia e resultando no trancamento da ação. As interceptações declaradas nulas pelo STJ embasaram mandados de busca e apreensões, prisões cautelares, conduções coercitivas, quebras de sigilo e bloqueios de contas bancárias.

Ilha sob proteção

Em 14 de dezembro de 2012, o MPF denunciou 24 pessoas pelos delitos de associação criminosa, corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, falsidade ideológica e falsificação de documento particular. O grupo foi acusado de integrar esquema de corrupção na aprovação de complexo portuário na Ilha dos Bagres.

Entre os réus estavam Paulo Rodrigues Vieira, na época diretor de Hidrologia da Agência Nacional das Águas (ANA); o ex-advogado-geral-adjunto da União, José Weber Holanda; Rosemary Nóvoa de Noronha, que chefiava o Gabinete Regional da Presidência da República em São Paulo, e o ex-senador Gilberto Miranda Batista.

Rosemary ficou conhecida mais pela sua ligação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do que pelo cargo. Junto com Vieira, Holanda e Miranda, segundo a denúncia, ela faria parte da cúpula do grupo que tinha como “principal atividade e meio de vida o trabalho de intermediação dos interesses particulares de grandes empresários”.

Em contrapartida, ainda conforme o MPF, os beneficiados pagavam vultosas propinas aos réus. Os cabeças se valiam inclusive de tráfico de influência para nomear comparsas em cargos de diretoria em agências reguladoras. Tais indicações tinham por objetivo viabilizar interesses privados em detrimento do público.

No caso da Ilha dos Bagres, área de proteção permanente ao lado do Porto de Santos, a PF apurou a existência de corrupção na aprovação de projeto de complexo portuário de R$ 2 bilhões. O terminal ocuparia 1,2 milhão de m², tamanho similar ao do Parque do Ibirapuera, que fica em São Paulo.

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