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05/10/2020

Na comunidade, PM revista casa sem mandado e juiz tranca inquérito de tráfico

Por Eduardo Velozo Fuccia

“Por força da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, positivada no Artigo 157, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal (CPP), as provas obtidas por meio da medida invasiva são ilícitas, bem como todas as que delas decorreram, o que impõe a conclusão pela absoluta ausência de provas acerca da materialidade do delito de tráfico de drogas”.

Com esse entendimento, o juiz Orlando Gonçalves de Castro Neto, da 4ª Vara Criminal de Cubatão (SP), concedeu habeas corpus impetrado pelo advogado Henrique Perez Esteves e determinou o trancamento de inquérito policial instaurado no 3º DP do município para apurar suposto crime de tráfico de drogas.

Alvo da investigação, um casal teve a residência revistada por policiais militares, que não dispunham de mandado de busca e apreensão. Segundo o advogado, a vistoria “arbitrária” na moradia e a abertura do inquérito configuram “constrangimento ilegal” aos clientes, devendo o procedimento de apuração ser cessado de imediato.

Advogado Henrique Perez Esteves impetrou habeas corpus e conseguiu o trancamento de inquérito policial

O episódio aconteceu no dia 18 de agosto, na Vila Esperança (foto principal). Segundo os PMs, criminosos armados não identificados os receberam a tiros e fugiram correndo. Durante varredura pela comunidade, que fica em área de mangue, os desconhecidos teriam sido vistos saindo da moradia do casal e conseguiram escapar novamente.

Os policiais disseram que entraram na residência, encontrando próximo ao portão, que estava aberto, uma mochila com 2.112 porções de maconha e duas caixas de munição calibre 9 milímetros. Porém, no habeas corpus, Perez afirmou que portão foi arrombado e negou vínculo dos seus clientes com o material ilícito supostamente achado na casa.

O advogado alegou que a falta de ordem judicial tornou ilícita toda a cadeia de provas. O Artigo 157, parágrafo 1º, do CPP, diz que “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.

“Em razão da entrada não autorizada e, em meu sentir, não justificada da Polícia Militar na residência dos pacientes (investigados), a prova inicial é ilícita”, avaliou Castro Neto. Por esse motivo, ainda conforme o magistrado, é cabível a aplicação da norma mencionada pelo advogado.

A propriedade da droga sequer foi discutida. “O inquérito deve ser trancado em razão da ilicitude da prova, que por sua vez decorreu da ilegalidade na violação do domicílio”, decidiu o juiz. Segundo ele, a revista na casa só poderia ocorrer com ordem judicial, consentimento inequívoco do morador ou razões concretas de flagrante delito no local.

Permissão sob coação

Castro Neves observou que, não raras as vezes, “o homem médio brasileiro, profundo desconhecedor de suas garantias mínimas”, sente-se coagido e permite a prática de atos por agentes do Estado, aos quais não está obrigado a se submeter. “Mas o faz por receio do que pode advir de sua negativa”.

Meras denúncias anônimas não podem servir como fundamento suficiente à expedição de mandado de busca e apreensão, muito menos para o ingresso no domicílio sem ordem judicial, completou o juiz. “Ou seja, com base apenas em denúncias anônimas, nem o juiz pode autorizar a invasão domiciliar, muito menos o policial militar”, concluiu.

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