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04/08/2022

Nulidade de prova motiva rejeição de denúncia contra 219 supostos membros do PCC

Por Eduardo Velozo Fuccia

O recebimento de uma denúncia não impede a sua posterior rejeição, na hipótese de surgir fato superveniente que afaste a justa causa para a ação penal. Com essa fundamentação, o juízo da Vara de Delitos de Organizações Criminosas de Fortaleza rejeitou inicial acusatória contra 219 pessoas, supostamente ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), após acórdão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) declarar nula prova de outro processo.

O Ministério Público (MP) denunciou as 219 pessoas pelo delito de integrar organização criminosa armada e com a participação de criança ou adolescente (artigo 2º, parágrafos 2º e 4º, I, da Lei 12.850/2013). A base para a acusação foram os relatórios policiais sobre os arquivos de WhatsApp extraídos do celular de um homem preso em flagrante e que foi processado em ação distinta sob a acusação de tráfico de drogas e organização criminosa.

Para o acesso a tais dados, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) obteve autorização judicial. Em razão dos fatos que motivaram a sua prisão em flagrante, o dono do aparelho foi condenado. A defesa do réu recorreu e o TJ-CE acolheu as suas razões, reformando a decisão para absolvê-lo. Conforme o acórdão, houve a entrada ilegal de policiais na casa do apelante, porque não possuíam ordem judicial e nem havia outro justo motivo.

“Percebe-se que ocorreu situação de fishing expedition, isto é, houve uma investigação especulativa, sem objetivo certo ou declarado, que lançou suas redes com a esperança de pescar qualquer prova para subsidiar uma futura acusação”, concluiu por unanimidade a 3ª Câmara Criminal do TJ-CE. Com o reconhecimento da ilegalidade do ingresso dos policiais, as provas derivadas, como as coletadas do celular do réu, também foram consideradas ilegais.

Efeito cascata

Após o trânsito em julgado do acórdão, o juízo da Vara de Delitos de Organizações Criminosas determinou a intimação do MP e da defesa dos 219 réus para se manifestarem sobre a decisão do colegiado na outra ação, “notadamente sobre a possível ocorrência de nulidade absoluta nestes autos”. Os advogados dos acusados pleitearam o reconhecimento de nulidade absoluta do processo, tendo em vista que a denúncia foi embasada em prova ilícita.

O MP sustentou que o processo dos 219 denunciados comporta a aplicação da teoria da contaminação expurgada, também conhecida como limitação dos vícios sanados, do nexo causal atenuado ou da tinta diluída, porque a decisão judicial posterior à apreensão do celular e anterior ao acesso completo aos dados telemáticos eliminaria qualquer tipo de vício contido na prova original.

Em decisão assinada digitalmente no último dia 26 de julho, os juízes Adriano Ribeiro Furtado Barbosa, Henrique Lacerda de Vasconcelos e Carlos Henrique Neves Gondim rejeitaram a denúncia e extinguiram o processo, sem análise do mérito, com base no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP). Dos 219 denunciados, 138 deverão ser colocados em liberdade, por não estarem presos em decorrência de outros processos.

De acordo com a decisão da vara criminal especializada, “como os elementos que serviram de base para a denúncia foram os relatórios de extração de dados do celular apreendido, cuja ilicitude foi declarada judicialmente, a justa causa que autorizou o recebimento da exordial deixou de existir por fato superveniente, o que afasta a preclusão pro judicato”. Os juízes assinalaram que a ilicitude da apreensão do aparelho está acobertada pela coisa julgada.

Para a Vara de Delitos de Organizações Criminosas, é caso de aplicação da teoria da árvore dos frutos envenenados (artigo 157, parágrafo 1º, do CPP), cuja doutrina defende que todas as provas decorrentes de prova ilícita são contaminadas por esse vício. O juízo afastou a tese da contaminação expurgada, alegada pelo MP, em razão da ausência de fato superveniente à prova ilegal que pudesse validar os elementos probatórios posteriores e derivados.

Conforme relatórios da Draco, o homem preso na ação originária detém alto poder de decisão no PCC. Por meio da análise dos arquivos do seu celular, foi possível apurar que ele administrava um grupo de WhatsApp no qual há uma lista com o cadastro de aproximadamente 400 supostos faccionados. As investigações identificaram 220 deles, incluindo o próprio dono do telefone, servindo de base paro o segundo processo.

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