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11/08/2022

Santa Casa de Santos e médica são condenadas por amputações em menino de 7 anos

Por Eduardo Velozo Fuccia

A 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) condenou a Santa Casa de Misericórdia de Santos e uma médica pediatra a indenizar de forma solidária, a título de danos morais, um menino e os seus pais. Em razão do tratamento negligente dispensado à criança, conforme o acórdão, ela não teve quadro clínico de meningite diagnosticado a tempo e precisou amputar as pernas abaixo do joelho, as extremidades das mãos e o nariz. À época dos fatos, em 2011, o garoto tinha 7 anos.

A decisão do colegiado foi por unanimidade e reformou sentença do juiz Daniel Ribeiro de Paula, da 11ª Vara Cível de Santos, que julgou a ação improcedente. Representados pelos advogados Armando de Mattos Júnior e Gabriel Dondom Salum Sant’Anna, os autores recorreram ao TJ-SP. A 6ª Câmara de Direito Privado fixou a indenização em R$ 40 mil para a criança e R$ 20 mil para o seu pai e igual quantia para a sua mãe.

Conforme o acórdão, os valores foram estabelecidos com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando-se a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima. Sobre eles deverão incidir juros de mora a partir da data do evento danoso e correção monetária a partir da data do arbitramento da indenização, segundo previsão, respectivamente, das súmulas 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ainda sobre as verbas indenizatórias, o desembargador Rodolfo Pellizari, relator da apelação, destacou: “A dor sofrida pelos apelantes é de impossível mensuração, diante das severas limitações impostas ao infante, que se perpetuarão por toda sua vida e, de igual forma, seus genitores, que suportarão toda espécie de dificuldade para conferir, na medida do possível, a inserção de seu filho em um cotidiano permeado por circunstâncias naturais da vida”.

Entenda o caso

Os advogados narraram na petição inicial que o menino foi levado pelos pais à Santa Casa no dia 16 de novembro de 2011, por volta das 18h30, porque apresentava quadro febril, cefaleia, confusão mental e vômitos. Atendido por uma médica, que à época era residente na área de pediatria, o paciente foi liberado após lhe ser ministrada medicação intravenosa. Sem realizar qualquer exame na criança, a profissional receitou dois medicamentos para febre e vômito, caso os sintomas persistissem.

Diante da piora do filho, os pais retornaram com ele à Santa Casa após algumas horas. Nessa ocasião, o menino foi atendido pelo médico supervisor da colega residente. O paciente apresentava manchas pelo corpo e o diagnóstico foi de meningite, que exigiu imediata internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), já na madrugada do dia 17 de novembro. Decorridos 30 dias de hospitalização, foi necessária a cirurgia de amputação para conter a infecção e preservar a vida da criança.

“O primeiro atendimento foi marcado pela negligência, pois se fosse dispendido o devido cuidado, seriam solicitados exames para melhor avaliação do quadro clínico e logo haveria o diagnóstico de meningite, evitando a rápida evolução do processo infeccioso. Não se pode ignorar também o fato de a médica residente não contar com a supervisão direta, naquele atendimento, de um profissional mais experiente”, informou o advogado Armando de Mattos Júnior.

O advogado Armando de Mattos Júnior apontou a negligência no primeiro atendimento ao paciente

Perda de uma chance

Ao contrário do juiz, que não vislumbrou culpa das rés, o colegiado observou que, em se tratando de prestação de serviço por profissional médico, a ocorrência de dano será indenizável mediante a comprovação de existência de nexo causal de conduta culposa, exteriorizada pela negligência, imprudência ou imperícia. “E, uma vez constatada a culpa do médico, a responsabilidade do hospital será objetiva e solidária”, frisou o relator do recurso, que se baseou nos artigos 7º e 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

A 6ª Câmara de Direito Privado aplicou a “teoria da perda de uma chance” para condenar a pediatra e o hospital. “No caso, se o tratamento correto da patologia tivesse se iniciado mais cedo, desde o primeiro atendimento, muito provavelmente as sequelas seriam minoradas, ou seja, talvez o menor não tivesse perdido seu nariz e parte de seus membros superiores e inferiores”, justificou o relator. Segundo ele, a negligência da pediatra decorreu “exclusivamente da alta precipitada do menor”, sem submetê-lo a exames.

Outro lado

A pediatra alegou que sequer deveria integrar o polo passivo da demanda, pois a sua atuação se deu em nome do hospital e não como profissional autônoma. Acrescentou, ainda, que era médica residente e, nessa condição, agiu em estrita observância à subordinação técnico-hierárquica, sem possuir liberdade para atuar fora dos limites e protocolos previamente definidos. Ela ainda disse que realizou a consulta à criança de acordo com a literatura médica, sendo incabível lhe atribuir erro de diagnóstico.

A defesa da Santa Casa procurou se eximir de responsabilidade argumentando que não houve crítica à estrutura e aos serviços do hospital, recaindo a reclamação apenas sobre a atuação da profissional. O estabelecimento de saúde também contestou a ocorrência de erro médico, porque os sintomas genéricos apresentados pelo paciente no atendimento inicial não exigiam qualquer outra medida além daquela adotada pela pediatra residente.

Prontuário sumiu

As rés refutaram as informações dos autores quanto aos sintomas do menino por ocasião da primeira consulta, mas não juntaram aos autos a ficha de atendimento feito pela médica para comprovar o que alegaram. A Santa Casa declarou não ter encontrado o documento e o colegiado observou que o seu extravio impossibilitou verificar se o serviço prestado foi o adequado. A defesa dos autores, por sua vez, sustentou que incumbia ao hospital a guarda do prontuário, não podendo o apelado se beneficiar da perda.

Segundo o relator, era dever processual do hospital provar que foi correto o atendimento dispensado logo na primeira consulta ao menino. Além disso, a Santa Casa cometeu “grave falha” ao perder o documento, pois tem o dever de guardá-lo por 20 anos, conforme a Resolução nº 1.821/2007 do Conselho Federal de Medicina. O Ministério Público requereu cópias dos autos para apurar eventual falta ético-disciplinar decorrente do extravio do prontuário médico e adotar as medidas cabíveis.

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