GCM acusado de matar comerciante a tiros na frente da mulher e do filho vai a júri
Por Eduardo Velozo Fuccia
A credibilidade dos depoimentos das testemunhas não pode ser colocada em xeque na fase processual em que o juiz decide pela submissão ou não de alguém a julgamento popular, porque tal análise cabe aos jurados.
Com essa fundamentação, o juiz Felipe Esmanhoto Mateo, da Vara do Júri de Praia Grande, no litoral de São Paulo, pronunciou um guarda civil do município acusado de matar, durante o serviço, um comerciante com três tiros. A defesa do réu alega “legítima defesa”.
“Certo é que os indícios são suficientes à pronúncia do réu, porquanto a dúvida pela vertente da prova e pela credibilidade a ser conferida a cada relato, bem como a avaliação dos atos praticados, há de ser dirimida pelos julgadores naturais da causa”, justificou Mateo.
Conforme o magistrado, há indícios suficientes para pronunciar o réu, nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal, “sendo desnecessária a menção de outros elementos probatórios, pois o crime precisa estar provado e a autoria ser pelo menos provável”.
Spray de pimenta e tiros
O comerciante Antônio Ramos Paiva Ferreira foi morto no dia 3 fevereiro de 2019. Ele voltava da praia acompanhado da mulher e do filho do casal, na época, com apenas 2 anos de idade. O homem pedalava uma bicicleta, enquanto a mulher e a criança seguiam em outra.
Em dado momento, um carro atingiu levemente a bicicleta conduzida pela vítima. Uma viatura da Guarda Civil Municipal (GCM) passava pelo local, sendo a sua guarnição acionada pelo comerciante.
Câmera de segurança da Prefeitura de Praia Grande mostra o momento em que um dos guardas se aproxima do motorista do automóvel e o cumprimenta, liberando-o em menos de um minuto. Esse equipamento ou outro não filmaram o crime, ocorrido a poucos metros.
Conforme a mulher, o marido sentiu-se menosprezado e começou a cobrar os guardas pela liberação do motorista. A partir daí, o réu jogou spray de pimenta no rosto do comerciante, que ainda levou três tiros e morreu no local.
Testemunhas protegidas
Segundo três pessoas que depuseram na qualidade de testemunhas protegidas, a vítima não investiu contra o réu e ficou desorientada ao ser atingida pelo spray de pimenta. Elas foram identificadas pelo assistente da acusação, advogado Rui Elizeu de Matos Pereira.
Apesar de afirmar que “não presenciou as vias de fato”, o colega de farda do réu declarou ter escutado o barulho de tiro e, em seguida, percebido o acusado caído sobre o comerciante no asfalto. Segundo essa testemunha, a vítima estava “agressiva” e tentou tirar o réu da viatura.
O acusado portava uma pistola calibre 380 pertencente à GCM. Ele alegou que a vítima “grudou” na arma, conseguindo arrancá-la. Para recuperá-la, o agente disse que entrou em luta corporal com o comerciante, ocorrendo os três disparos durante esse embate.
Em relação ao uso de spray de pimenta, que antecedeu os tiros, o réu alegou que a vítima estava “estressada” e tentou “acalmá-la” com esse tipo de gás lacrimogêneo. O acusado também narrou que a reação do comerciante foi a de agredi-lo com um soco na testa.
Laudo pericial
A versão do réu foi ratificada por uma testemunha, que contou conhecê-lo “de vista” e estar passando pelo local no momento dos tiros. Com base nesse depoimento e na narrativa do acusado, a defesa requereu a absolvição sumária do guarda por legítima defesa.
Porém, conforme o magistrado, uma “prematura absolvição” deve ser respaldada por um conjunto probatório livre de dúvidas, “o que não se verifica, justamente por conta dos indícios e evidências juntados”, justificando a submissão da causa ao tribunal do júri.
A decisão do julgador foi liberada nos autos na última quinta-feira (4). Nela, ele cita que um dos disparos atingiu as nádegas da vítima e foi efetuado de cima para baixo. “Desta feita, ao menos nessa quadra processual, não há que se falar em absolvição sumária por legítima defesa”.
Conforme o laudo necroscópico, os demais tiros acertaram a vítima na parte superior esquerda do peito e na região próxima à axila direita. O Ministério Público denunciou o guarda Vagner Alves de Santana por homicídio simples, cuja pena varia de seis a 20 anos de reclusão.
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