Por falta de dolo, ex-cúpula da Codesp é absolvida de fraude à licitação e peculato
Por Eduardo Velozo Fuccia
A má gerência de órgão público justifica uma criteriosa investigação e a responsabilização dos gestores na esfera cível-administrativa, mas é insuficiente para puni-los criminalmente sem a comprovação de que tiveram intenção de lesar o erário para benefício próprio ou de terceiros.
Com essa ponderação, o juiz Roberto Lemos dos Santos Filho, da 5ª Vara Federal de Santos (SP), absolveu 11 pessoas denunciadas pelos crimes de fraude à licitação e peculato. Oito réus integravam a alta cúpula da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), atual Autoridade Portuária de Santos.
“Na seara criminal, a falta de zelo, prudência ou mesmo a omissão de um dever funcional não são suficientes, per si, para demonstração do dolo. Com efeito, o elemento subjetivo do tipo nunca pode ser presumido, mas sim efetivamente demonstrado, sob pena de afrontar ao próprio princípio da presunção de inocência”, sentenciou o julgador.
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou todos os 11 réus por peculato, porque a condição de funcionários públicos dos ex-integrantes da Codesp, por se tratar de elementar do crime, se comunica com os demais acusados, ligados a uma empresa privada que venceu a licitação supostamente viciada.
Os acusados vinculados à estatal também responderam pelo delito do artigo 90 da Lei 8.666/1993 (fraudar procedimento licitatório com o intuito de obter vantagem decorrente do seu objeto). A empresa Vert venceu o certame e celebrou contrato para monitorar com drones o Porto de Santos, durante 12 meses, pelo valor de R$ 2,7 milhões.
Segundo o MPF, os réus teriam desviado valores referentes a pagamentos por serviços que não chegaram a ser prestados pela vencedora da licitação, causando prejuízos à Administração Pública. Codesp e Vert assinaram o contrato em maio de 2018, sendo a denúncia oferecida em julho de 2021. A sentença é da última quinta-feira (10/8).
A inicial acusatória teve por base investigação da Polícia Federal no curso da Operação Tritão. De acordo com Roberto Lemos, embora os elementos indiciários colhidos na fase de inquérito evidenciem supostas ações ilícitas, elas não foram provadas. “Isso porque não emerge dos autos, com a clareza necessária, terem os acusados agido com dolo”.
O juiz federal observou que “defeitos no certame”, por si só, não podem ser atribuídos de forma objetiva a uma suposta intenção dos acusados de frustrarem o caráter competitivo da licitação. Além disso, não há prova de enriquecimento ilícito e não ficou demonstrado conluio entre o grupo da Codesp e o trio da empresa de monitoramento por drones.
“Assumir que os réus estavam revestidos do elemento subjetivo específico do tipo meramente por ocuparem posições de direção e não terem pedido esclarecimentos adicionais aos setores técnicos da empresa é admitir a responsabilização penal objetiva, o que é vedado em nosso ordenamento”, justificou Lemos.
Quanto aos valores que teriam sido desviados, o julgador apontou que não há comprovação de prejuízo para a Codesp, até porque a Controladoria-Geral da União e a auditoria da própria estatal, realizada após a gestão dos denunciados, não auferiram o impacto econômico das irregularidades narradas na denúncia.
Também sem culpa
Embora o crime de peculato preveja a modalidade culposa (artigo 312, parágrafo 2º, do Código Penal), a condenação exige que o réu concorra culposamente para o delito de outrem. “No caso concreto, o dolo de nenhum dos réus foi demonstrado, inviabilizando, portanto, a condenação de qualquer outro por culpa”, assinalou Lemos.
Ao absolver os 11 acusados sob o fundamento de insuficiência de provas, o magistrado ressaltou que, “diante da incerteza, a dúvida deve sempre militar em favor dos acusados, em obediência ao princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal”.
A sentença considerou “plausível”, entre outras, a tese sustentada pelas defesas dos réus de que a homologação da licitação se baseou em pareceres técnicos de outros funcionários da Codesp. Os autores desses estudos de viabilidade não chegaram a ser denunciados pelo MPF.
No caso específico de um dos diretores da empresa ganhadora do certame, o advogado Rodrigo Barboza Delgado acrescentou que, conforme a prova testemunhal, o contrato com a estatal foi executado de acordo com as cláusulas, revelando-se útil à Codesp. O defensor frisou ainda que o cliente não obteve qualquer vantagem indevida.
O advogado Jonatas de Sousa Nascimento defende outro suposto diretor da empresa privada e sustentou que cliente sequer integra a pessoa jurídica. “O único ‘delito’ que recai sobre ele é o fato de ser irmão de um dos corréus. Mas o MPF não demonstrou a sua participação em desvio de verba pública, que também sequer foi comprovada”.
Defensor do superintendente jurídico da Codesp à época dos fatos, o advogado Eugênio Malavasi frisou que o cliente não integrava a diretoria executiva da estatal e, portanto, não detinha poder decisório, tampouco a atribuição para adjudicar o objeto da licitação. “Ele não agiu com dolo, tendo apenas cumprido seu dever funcional”.
Os absolvidos
José Alex Botelho Oliva, ex-presidente da Codesp
Francisco José Adriano, ex-diretor-financeiro da Codesp
Carlos Henrique de Oliveira Poço, ex-diretor de operações e logística da Codesp
Sérgio Pedro Gammaro Júnior, ex-superintendente de tecnologia da informação da Codesp
Gabriel Nogueira Eufrásio,ex-superintendente jurídico da Codesp
Tawan Ranny Sanches Eusebio Ferreira, ex-gerente de contratos e licitações da Codesp
Álvaro Clemente de Souza Neto, assumiu a gestão do contrato com Vert
Cristiano Antônio Chehin, fiscal do contrato com a Vert
José Eduardo dos Santos, responsável pela empresa Vert
Otoniel Pedro Alves, apontado pelo MPF como diretor da Vert
Oseas Pedro Alves (irmão de Otoniel), apontado pelo MPF como integrante da Vert
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