Record é condenada por ceder imagem de entrevistado à programa da Universal
Por Eduardo Velozo Fuccia
Como consequência do respeito à dignidade da pessoa humana, elevado ao status de fundamento da Constituição Federal (artigo 1º, inciso II), a autorização por escrito é imprescindível para a utilização da imagem de alguém que não seja personalidade pública, sendo o seu uso indevido passível de indenização.
Com essa fundamentação, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou provimento à apelação de uma rede de TV e manteve a sua condenação por dano moral. A recorrente cedeu ao programa televisivo de uma igreja a imagem de um homem que havia sido utilizada em uma reportagem da emissora.
O colegiado apreciou no mesmo acórdão o recurso adesivo interposto pelo autor da ação e o acolheu parcialmente, elevando de R$ 15 mil para R$ 30 mil a indenização a ser paga pela emissora. O demandante havia pleiteado R$ 50 mil, discorrendo sobre a extensão do dano e sustentando que mais de 350 mil pessoas assistiram o programa da igreja.
“Foi a emissora ré que cedeu ao programa televisivo (da igreja) reportagem que já havia sido veiculada para ser utilizada, inclusive, fora do contexto em que foi produzida. Nada impede, entretanto, que a parte ré mova ação regressiva”, assinalou o desembargador Vitor Frederico Kümpel, relator dos recursos.
Consta dos autos que o demandante, em 2018, concordou em participar de entrevista para a Rede Record, que fez parte de uma série de reportagens sobre a relação entre fãs e artistas. Porém, em 2023, sem o consentimento do autor, a entrevista foi veiculada em um programa da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Também transmitido na Record, o programa Fala que eu te escuto, da IURD, teve o seguinte tema: “Fãs Obcecados: Carência, Infantilidade ou Admiração?”. De acordo com o requerente, além de carecer de seu aval, a reprodução da entrevista na programação da igreja teve o contexto divorciado do que fora inicialmente autorizado.
“Enquanto na entrevista autorizada o autor foi retratado como um fã da cantora Ivete Sangalo de forma positiva e jovial, o programa religioso vinculou tal comportamento a características negativas, realizando, inclusive, enquetes para votação se tal conduta poderia ser reputada como infantilidade, carência ou admiração”, destacou o relator.
Conforme o julgador, é incontroverso que o autor não autorizou a utilização da sua imagem no programa da igreja, cinco anos após ela ter sido usada na reportagem da emissora de TV com a sua devida concordância à época. “O dano em análise é considerado in re ipsa, sem necessidade de específica comprovação”.
Os desembargadores Alcides Leopoldo e Enio Zulian acompanharam o voto de Kümpel para referendar a decisão de primeiro grau. Segundo a sentença, não é admissível que a cessão de imagem seja realizada de maneira permanente e, sobretudo, seja transferida a terceiros sem a anuência do cedente ou tenha o seu contexto original deturpado.
A única ressalva do colegiado em relação à sentença da juíza Marian Najjar Abdo, da 4ª Vara Cível do Foro Regional II Santo Amaro, recaiu sobre a indenização. Conforme o acórdão, o valor de R$ 30 mil se mostra mais adequado e razoável para repreender e desestimular a ofensora a reiterar o ato ilícito, sem beneficiar exageradamente a vítima.
Emissora atribui à igreja
A Record informou no recurso disponibilizar espaços em sua grade horária, adquiridos por terceiros, que realizam as suas produções sem qualquer ingerência da emissora. Desse modo, sustentou ser parte ilegítima por não possuir responsabilidade indenizatória pelo programa da IURD.
Quanto ao mérito, a emissora de TV defendeu a liberdade de imprensa e o direito à informação; argumentou que o Falo que eu te escuto é destinado ao público evangélico, não havendo no programa qualquer comentário depreciativo ao apelado; disse que não se comprovou a ocorrência de abalo moral apto a ensejar a indenização pleiteada.
Porém, a 4ª Câmara de Direito Privado rejeitou as alegações da emissora. “Tão logo foi intimada acerca da determinação da exclusão da matéria, a requerida assim procedeu. Verifica-se, portanto, que embora alegue não exercer ingerência, controle ou responsabilidade pelo conteúdo, prontamente realizou a devida exclusão”.
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