Justiça concede pensão por morte para companheira de servidor casado com outra
Por Eduardo Velozo Fuccia
A união estável é reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal, que ainda proíbe qualquer viés discriminatório para excluir ou suprimir direitos aos seus parceiros, inclusive, se forem do mesmo sexo ou se um deles for casado.
Esse entendimento foi adotado por unanimidade pela 2ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) ao dar provimento ao recurso de apelação de uma mulher. Ela pleiteou a concessão de benefício previdenciário em razão da morte do companheiro e teve o pedido negado em primeira instância por ser o falecido casado.
Servidor público do Estado do Ceará, o segurado casado faleceu em 18 de junho de 2016. A sua união estável com a autora foi reconhecida, após a morte, em ação que tramitou pela 9ª Vara de Família de Fortaleza e transitou em julgado em 16 de novembro de 2021.
“Assiste razão à apelante, uma vez que o direito da requerente encontra guarida constitucional, bem como na legislação estadual, tendo, por fim, sido reconhecida judicialmente sua união estável com o servidor falecido”, decidiu a desembargadora Maria Iraneide Moura Silva, relatora do recurso.
A autora narrou na inicial que a sua união estável com o servidor público durou até o último dia de vida dele, sobrevindo um filho do relacionamento e possuindo ela “inegável vínculo de dependência econômica” em relação ao companheiro.
O juízo de primeiro grau negou o benefício previdenciário por morte sob a fundamentação de que “o fato de o falecido ter sido casado até a data do seu óbito, fato de conhecimento da autora, impede o reconhecimento do direito à pensão por morte, por ausência de previsão legal e interpretação jurisprudencial”.
A ação foi julgada improcedente “apesar da comprovação da relação da autora durante longo período e com aparência familiar”, conforme ressalvou a sentença. A mulher foi condenada ao pagamento de custas e honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor da causa.
Temas superados
A despeito dos tribunais superiores possuírem o entendimento de não admitir direitos previdenciários à concubina e de não reconhecer a união estável diante da preexistência de casamento, inclusive por meio dos Temas 526 e 529 do Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo provimento da apelação.
De acordo com o Tema 526, é incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve união com outra casada, porque o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável.
Conforme o Tema 529, o dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro impede o reconhecimento de novo vínculo, inclusive para fins previdenciários, se preexistir casamento ou união estável de um dos conviventes.
O parecer da PGJ ponderou que, no caso concreto, há decisão transitada em julgado reconhecendo a união estável entre a autora e o falecido. “Sendo assim, enquanto não for desconstituído o referido julgado, ele deve produzir os seus efeitos, tendo em vista a proteção constitucional dedicada à coisa julgada”.
A relatora acolheu o parecer e acrescentou que o parágrafo 3º, do artigo 226, da Constituição Federal reconheceu a união estável como entidade familiar, não recepcionando qualquer lei infraconstitucional com perfil discriminatório.
A julgadora também citou a Constituição do Estado do Ceará, que assegura a pensão por morte do segurado em favor do cônjuge supérstite (sobrevivente), companheiro ou companheira, entre outros, sem limitar o benefício em razão de gênero, invalidez ou dependência econômica.
“Desse modo, dos dispositivos supracitados, não há maiores indagações acerca do caso, uma vez que foi reconhecida por sentença judicial, transitada em julgado, a união estável post mortem entre a autora e o servidor estadual falecido”, concluiu a desembargadora.
O acórdão frisou que, nos termos da lei, é presumida a dependência econômica da apelante em relação ao falecido. Ao conceder a pensão, a decisão determinou que o pagamento retroaja à data do requerimento administrativo do benefício, feito pela autora em setembro de 2016, um mês após a morte da viúva do servidor público.
O provimento da apelação também gerou a inversão do ônus de sucumbência em favor da parte autora, sendo o Estado do Ceará condenado ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10%.
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