Devido a revista ilegal, juiz absolve acusado de transportar 23 kg de cocaína
Por Eduardo Velozo Fuccia
Sob a fundamentação de que a vistoria em um veículo não obedeceu aos requisitos legais, o juiz Gerdinaldo Quichaba Costa, da 13ª Vara do Fórum Criminal da Barra Funda, absolveu um homem acusado de tráfico de drogas. No Jeep Renegade que ele dirigia, em um compartimento secreto no painel, havia 23 tijolos de cocaína, que totalizaram 23,4 quilos. Em juízo, o réu admitiu que ganharia R$ 10 mil para transportar o entorpecente de Santos para São Paulo. A abordagem ocorreu na Via Anchieta, já na Capital.
“Não havia, até então, motivo legítimo para a abordagem e, muito menos, para a condução do réu até a delegacia. Portanto, de rigor, o reconhecimento da ilicitude da prova obtida, com a consequente absolvição do réu por ausência da materialidade do crime”, sentenciou Costa. Ao fundamentar a sua decisão no inciso II do artigo 386 do Código de Processo Penal (CPP), o julgador acolheu a tese apresentada pelos advogados Victor Nagib Aguiar e Renata Medeiros R. Nagib Aguiar nas alegações finais.
O réu dirigia o Jeep acompanhado da namorada, elencada pelo Ministério Público (MP) como testemunha. No carro também estavam duas crianças, uma filha do motorista e a outra, da passageira. No dia 23 de janeiro de 2023, em cumprimento a “ordem de serviço”, policiais do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) abordaram o veículo na estrada e nada de irregular constataram. Porém, eles conduziram o automóvel até a delegacia para melhor examiná-lo, descobrindo o fundo falso e a droga.
Segundo o juiz, a ilicitude da busca se deveu ao fato de a ordem de serviço juntada aos autos omitir dados da denúncia anônima passada ao Denarc, tais como nome do acusado, placa do carro, por onde o automóvel passaria e de que forma ela foi transmitida (por e-mail, telefone ou pessoalmente). Com exceção à preservação óbvia do denunciante, o documento sequer cita a data da informação privilegiada, “pois isso poderia ter implicado a necessidade ou não de se solicitar ordem judicial”, emendou Costa.
“Como os policiais sabiam que o veículo passaria em determinado local na Via Anchieta?”, questionou o juiz. Ele salientou que as informações vagas na ordem de serviço não individualizaram o objeto da busca, tornando ilegítima a abordagem. No entanto, ainda que assim não fosse, há de se considerar que nada de ilegal foi descoberto quando o carro foi examinado na rodovia. Desse modo, ainda conforme Costa, também não houve justificativa plausível para a condução do réu e do Jeep à delegacia.
O réu se reservou o direito de ficar calado ao ser autuado em flagrante. Em audiência de custódia, ele teve a prisão preventiva decretada. Na defesa preliminar, os advogados requereram a sua liberdade provisória, sendo o pedido acolhido no recebimento da denúncia. Em suas alegações finais, o promotor Flávio Eduardo Turessi pleiteou a condenação por tráfico, com o afastamento da minorante do tráfico privilegiado devido à quantidade de droga apreendida, e a fixação do regime inicial fechado.
Os defensores sustentaram que a ação dos policiais não respeitou os ditames do artigo 244 do CPP, que impõem “fundada suspeita” para as buscas realizadas sem mandado judicial. Ainda conforme os advogados, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que o encontro de materiais proibidos não convalida a ilegalidade prévia. “O acusado não apresentava nenhum sinal de ter consigo objetos, armas, drogas ou quaisquer ilícitos, ainda assim foi realizada busca veicular”, frisou Victor Aguiar.
O juiz reproduziu na sentença um dos julgados do STJ mencionado pela defesa. Sob a relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, ele se refere ao Recurso em Habeas Corpus nº 158.580/BA e veda a busca pessoal ou veicular sem ordem judicial baseada em “juízo de probabilidade”. Conforme essa decisão, além da urgência de se executar a diligência, são necessários indícios concretos de que o indivíduo esteja na posse de drogas, armas ou de outros objetos ou papéis que constituam corpo de delito.
“Não satisfazem a exigência legal, por si sós, meras informações de fonte não identificada (e. g. denúncias anônimas) ou intuições e impressões subjetivas, intangíveis e não demonstráveis de maneira clara e concreta, apoiadas, por exemplo, exclusivamente, no tirocínio policial”, frisou o ministro Schietti. Inconformada com a absolvição, a promotora Priscila Cristina Fulanetti Alberti apelou da decisão. Ainda será aberto prazo para a defesa apresentar as suas contrarrazões recursais.
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