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25/03/2020

Ministro do STJ cita pandemia do Covid-19 para justificar soltura de réu reincidente

Por Eduardo Velozo Fuccia

“A excepcionalidade momentânea impõe intervenções e atitudes mais ousadas das autoridades, inclusive do Poder Judiciário”. Referindo-se à pandemia do coronavírus, o ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), justificou dessa forma a soltura de um homem recolhido no sistema prisional paulista.

Réu em ação penal de posse ilegal de munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito, o beneficiado é reincidente específico. Ele já foi condenado por violar o Estatuto do Desarmamento. Porém, Schietti frisou que, salvo necessidade inevitável da prisão, o exame da sua manutenção deve ser feito com “outro olhar”.

Promotor do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e das Execuções Criminais na Região Oeste do Estado, Lincoln Gakiya disse que o Primeiro Comando da Capital (PCC) emitiu um “salve” (ordem) para os seus membros promoverem uma “enxurrada de pedidos” valendo-se da pandemia do Covid-19.

“Não comentarei essa decisão específica do STJ, que tomo conhecimento agora. Mas decisões como esta estimulam o crime organizado a usar a tragédia do coronavírus para criar o caos. É um absurdo”, declarou o promotor. Ele também pondera que a liberdade dos presos, a pretexto de protegê-los, não garante que não sejam infectados.

Opinião contrária tem o advogado criminalista James Walker Júnior. “Não se trata de uma questão regional ou meramente brasileira, estamos diante de uma pandemia mundial sem precedentes. Neste contexto, preservar vidas passa a ser a prioridade de todos e um dever de qualquer autoridade, especialmente as judiciárias”

Presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), James Walker acrescentou que a decisão do ministro Schietti não significa “impunidade”, porque passada a pandemia pode-se, inclusive, restabelecer prisões que, neste momento, foram substituídas por domiciliares ou até revogadas.

Responsável pelas execuções criminais em 45 unidades prisionais, que abrigam cerca de 80 mil detentos, Gakyia reforçou o seu ponto de vista informando que, devido à pandemia, os presos reivindicam “toda sorte de benefícios”, como livramento condicional, progressão de regime, prisão domiciliar e liberdade provisória.

“O que não se pode restabelecer é a vida dos que ficam expostos e vulneráveis em um sistema prisional que já foi declarado inconstitucional pela Suprema Corte, justamente por seu estado de insalubridade e superlotação. Alguns setores da sociedade, mais conservadores e punitivistas, desprezam a vida alheia”, concluiu Walker.

Habeas corpus

A decisão do ministro foi na segunda-feira (23). Na mesma data, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo confirmou o primeiro caso de Covid-19 no sistema prisional do Estado. O infectado é um funcionário do setor administrativo do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Praia Grande.

O advogado João Carlos de Jesus Nogueira impetrou habeas corpus no STJ, com pedido liminar, requerendo a soltura do comerciante Valdinei Queiroz. Este homem foi preso em flagrante no dia 13 de dezembro de 2019, porque policiais civis apreenderam munições e acessórios de arma de fogo de uso restrito em sua residência.

A casa fica em Ferraz de Vasconcelos. Com ordem judicial, durante apuração de homicídio, policiais acharam nela duas réplicas de pistola, silenciador, granada de luz e som, partes de arma de fogo verdadeira, carregador de pistola e várias munições dos calibres 9 milímetros, 7.62 e ponto 40, que servem para pistola, fuzil e submetralhadora.

Por meio de outra advogada, o comerciante havia impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), mas ele foi negado por unanimidade no dia 13 de fevereiro. Conforme o relator, desembargador Damião Cogan, a prisão cautelar deve ser mantida “pela necessidade de garantia da ordem pública, profundamente afetada”.

Com o revés sofrido no TJ-SP, Valdinei constituiu João Nogueira, que impetrou novo habeas corpus, desta vez perante o STJ. Em decisão monocrática, Schietti determinou a soltura do réu, porque a prisão não se mostra necessária, “em juízo de proporcionalidade”, por não haver violência ou grave ameaça no suposto crime.

Ainda conforme o ministro, a liberdade do réu justifica-se “ante a crise mundial do coronavírus e, especialmente, a iminente gravidade do quadro nacional”. Sob pena de ter a preventiva novamente decretada, o acusado está proibido de se ausentar da comarca sem prévia autorização judicial e deve se recolher em casa durante o período noturno.

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