Por falta de provas de autoria, STJ livra de júri réus de homicídio em parada LGBT+
Por Eduardo Velozo Fuccia
O ministro Rogerio Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fez valer o entendimento firmado pela corte e concedeu habeas corpus para despronunciar, por falta de provas de autoria, dois acusados de matar por espancamento um homem. Atribuído a um grupo neonazista, o homicídio ocorreu em 2009, na 8ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo. Ao todo, nove pessoas foram denunciadas.
“Reafirmo que a atual compreensão deste egrégio tribunal é a de que deve haver provas judicializadas para subsidiar a decisão de pronúncia, de modo que ela não se pode fundar, exclusivamente, em elementos informativos”, frisou Schietti. A decisão derrubou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), segundo o qual “há indícios de que os réus se reuniram e planejaram agredir participantes do movimento ‘parada gay’”.
Advogados de um dos pacientes, Renata Medeiros R. Nagib Aguiar e Victor Nagib Aguiar sustentaram no habeas corpus que a pronúncia do cliente se baseou apenas em informações colhidas na fase do inquérito policial, não ratificadas por provas produzidas judicialmente. Os defensores também disseram que o acórdão do TJ-SP se reportou ao brocardo in dubio pro societate, o qual não tem amparo legal.
Ainda sobre a tese defensiva de despronúncia por inexistirem indícios suficientes de autoria e participação, o ministro acrescentou que “na espécie, o tribunal estadual partiu de premissa teórica, não encampada pelo STJ, de que ‘a pronúncia, diferente de uma sentença condenatória, não exige prova indubitável de autoria, mas apenas indícios que, nessa fase, podem ser embasados nas provas produzidas no inquérito policial’”.
Schietti reconheceu similitude fático-processual entre os dois pacientes. Juntos com um terceiro réu, eles foram apontados na denúncia como os autores de socos, chutes e golpes de barra de ferro na vítima. Em relação aos outros seis acusados, o Ministério Público narrou na inicial que eles contribuíram para o crime, incentivando os agressores e lhes dando cobertura para avisá-los sobre a eventual chegada de policiais.
Duas testemunhas disseram no inquérito que viram os pacientes atacando a vítima. Porém, uma delas não confirmou esse relato em juízo e alegou que a torturaram na delegacia. A outra sequer depôs na instrução processual. Desse modo, Schietti entendeu ser o caso de despronunciar esses réus, com a ressalva de que, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia, se surgir prova inédita.
A fragilidade probatória já havia sido apontada pelo juízo da 1ª Vara do Júri da Capital ao impronunciar os réus: “As testemunhas em alguns momentos apontam uns como sendo os agressores e em outros momentos apontam outros, trazendo clara dúvida acerca de quais seriam efetivamente aqueles que executaram a figura delitiva e de quais seriam os que efetivamente auxiliaram em tal empreitada”.
Crime de ódio
O chefe de cozinha Marcelo Campos de Barros, de 35 anos, foi agredido em 14 de junho de 2009. Após ficar três dias hospitalizado na Santa Casa de São Paulo, ele morreu de traumatismo craniano. Policiais da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) investigaram o caso e atribuíram o ataque a um grupo neonazista que nutre ódio por judeus, negros, homossexuais e migrantes nordestinos e nortistas.
Segundo o promotor Roberto Tardelli, prevalecendo-se da superioridade numérica, o grupo espancou o chefe de cozinha, que era negro e homossexual, por motivo torpe, com meio cruel e emprego de recurso que impossibilitou a sua defesa. O representante do MP concluiu que, para satisfazer os seus “vis ideais de desprezo, preconceito, intolerância, os denunciados demonstraram toda sua capacidade destrutiva”.
O caso teve grande repercussão. A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados publicou nota para repudiar a violência e cobrar das autoridades providências na identificação e responsabilização dos autores. A 8ª Parada LGBT+ de São Paulo reuniu 3,1 milhões de pessoas, segundo os organizadores, e mais de 20 ficaram feridas com a explosão de uma bomba supostamente arremessada pelo grupo neonazista.
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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